sábado, 27 de setembro de 2014

Governo não criará grupo contra trabalho escravo, pois ele existe desde 95


Por Leonardo Sakamoto
 
Um colega jornalista me liga para uma consulta antes do fechamento. Um tanto quanto revoltado, pergunta a razão de só agora o governo brasileiro ter instituído um grupo para fiscalizar trabalhadores escravizados e libertá-los. Diante da minha surpresa pela informação um tanto quanto fora de prumo, ele me envia matérias de outros colegas narrando a novidade.

Digo a ele que tal grupo existe desde 1995, instituído na época em que o governo Fernando Henrique Cardoso reconheceu diante das Nações Unidas a persistência de formas contemporâneas de escravidão no paos. E, que atuando de forma ininterrupta desde então, em um dos raros casos de política de Estado que perpassa diferentes grupos no poder, libertou mais de 46 mil pessoas.

Ele não se convence. Diz que o Ministério do Trabalho e Emprego soltou uma portaria (446/2014) em que institui a criação dos grupos móveis de fiscalização e abre espaço para a reforma sobre o conceito de trabalho análogo ao de escravo – antigo sonho dos ruralistas, que querem enfraquecer a definição, diminuindo o risco de punição.

Explico que a portaria tem o objetivo de disciplinar as formas de seleção de auditores fiscais do trabalho para participarem desses grupos e que portarias editadas em 1995 e em 2002 já regulavam a atividade dessas equipes (que, acreditem, são uma das poucas políticas públicas que funcionam bem neste país). A 446 foi necessária porque uma outra portaria, a 2027/2013, havia tratado de normas gerais para os diferentes grupos de fiscalização existentes, tornando necessário atualizar as regras para o grupo de trabalho escravo, que já existia.
Dada a insistência dele, chequei como o Ministério do Trabalho e Emprego, que confirmou que nada muda com o grupo móvel (com exceção ao formato de ingresso para participar das equipes), muito menos com o conceito que baliza os resgates e todas as normas envolvidas, que podem ser encontradas na Instrução Normativa número 91.

Se você, milagrosamente, acompanhou este texto até aqui, deve tê-lo achado a coisa chata que já leu em toda a sua vida. E garanto que estará coberto de razão.

Uma das funções do jornalista é traduzir informações para uma linguagem que a maioria das pessoas possa entender. Uma boa matéria não é aquela que te enfia goela abaixo um milhão de dados (até porque excesso de informação gera desinformação), e sim aquela em que o jornalista faz de tudo para entender o assunto e explicá-lo a você.

E quando os jornalistas não conseguem entender, traduzir e empacotar a informação por ignorância, incompetência, má fé ou (e principalmente) pela exigência de cumprimento de prazo em uma linha de montagem que impede que o profissional de imprensa se debruce sobre um tema para produzir um trabalho bem feito – linha de montagem que assustaria até Charles Chaplin, em Tempos Modernos?

Daí, fica complicado… Pois uma futura correção do erro nunca chegará a tantos lugares quanto a divulgação original do erro em si.

Enfim, nada muda nos grupos que resgatam escravos, a principal política de combate a esse crime no país, criada por FHC, incentivada por Lula e mantida por Dilma. Para desespero do pessoal simplista e limitado que acha que qualquer coisa que veio de um governo do PSDB ou do PT, ou é por um deles tocado, é a titica do cavalo do bandido.
 
 

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