segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Dez empresas dominam de 60% a 70% do que consumimos nos mercados

Dez grandes companhias abocanham de 60% a 70% das compras de uma família e tornam o Brasil um dos países com maior nível de concentração.

Da Repórter Brasil

Talvez passe despercebido àqueles que vão ao supermercado que um conjunto pequeno de grandes transnacionais concentra a maior parte das marcas compradas pelos brasileiros. Dez grandes companhias – entre elas Unilever, Nestlé, Procter & Gamble, Kraft e Coca-Cola – abocanham de 60% a 70% das compras de uma família e tornam o Brasil um dos países com maior nível de concentração no mundo. O que sobra do mercado é disputado por cerca de 500 empresas menores, regionais.

Quer um exemplo dessa concentração? Quando um consumidor vai à seção de higiene pessoal de um estabelecimento comercial e pega nas gôndolas um aparelho de barbear Gilette, um pacote de absorventes Tampax e um pacote de fraldas Pampers, ele está comprando três marcas que integram o portfólio da gigante norte-americana Procter & Gamble – que também é dona dos produtos Oral-B, para dentes.


O poder da Unilever

Uma dona de casa vai uma vez por mês ao supermercado fazer as compras para sua família: ela, o marido e duas crianças. Para a cozinha, ela compra Knorr, Maizena, suco Ades e a maionese Hellmann’s. Para a limpeza da casa, sabão em pó Omo e Brilhante. Compra ainda Comfort para lavar a roupa. Passa na área de cosméticos e pega o desodorante Rexona para seu marido, e sabonete Lux para ela. Compra pasta de dente Closeup, a marca preferida da filha.

Quase ao sair do supermercado, o filho liga e diz que quer sorvete. Ela compra picolés Kibon. Todas as marcas adquiridas por ela pertencem à Unilever, que em 2013 foi o maior investidor no mercado publicitário do Brasil, com R$ 4,5 bilhões aplicados. Omo possui 49,1% de participação de mercado em sua categoria, segundo pesquisa do instituto Nielsen em 2012. A Hellmann´s detém mais de 55% do mercado. A Unilever vende cerca de 200 produtos por segundo no Brasil.

Mercado de bebidas

O que o refrigerante Coca-Cola, o energético Powerade, o suco Del Vale, a água Crystal e o chá Matte Leão têm em comum? Eles são marcas da Coca-Cola, que apenas no segmento de refrigerantes detém cerca de 60% do mercado nacional. E sabe quando está um dia de calor e você quer tomar uma cerveja? Há uma grande chance de que ela seja produzida pela Ambev, que concentra cerca de 70% do mercado com produtos como Brahma, Antarctica, Skol e Bohemia. A companhia Brasil Kirin (ex-Schincariol) possui pouco mais de 10%, e o Grupo Petrópolis, cerca de 10%.
Quer um chocolate?

Na hora dos desenhos, uma criança se senta à frente da televisão e pede para a mãe alguma coisa para comer. Uma vez no mês, ela decide trocar as frutas por doces. A mãe então oferece algumas opções: um chocolate Suflair ou um Kit Kat? Um chá Nestea ou um Nescau? Um Chambinho ou iogurte Chandelle? Uma bolacha Tostines ou Negresco? 
No fundo, ele está perguntando à criança qual marca e linha de produtos da Nestlé ela quer, porque todas acima citadas pertencem à gigante suíça.

O segmento de chocolates é concentrado. Em 2012, uma pesquisa do Instituto Mintel mostrou que ele era dominado por três companhias líderes que possuíam 85% do mercado. Kraft liderava ranking, seguida por Nestlé e Garoto (a empresa Garoto pertencia à Nestlé, mas tem posicionamento independente, e ambas somavam 46% de participação). A Kraft foi desmembrada, em 2012, em duas e a operação de guloseimas passou a se chamar Mondelez International.

Empresas brasileiras também concentram mercado

A BRF – nascida da união entre Sadia e Perdigão – é líder em vários segmentos das gôndolas: está presente em 28 das 30 categorias de alimentos perecíveis analisadas pelo instituto Nielsen, como massas, congelados de carne, margarinas e produtos lácteos. A BRF está na mesa de aproximadamente 90% dos 45 milhões de domicílios do Brasil. Ela é responsável por 20% do comércio de aves no mundo. Em pizzas, a empresa detém 52,5% do mercado e 60% do de massas congeladas no país.


Outra empresa brasileira com grande presença na mesa dos brasileiros e de outros países é a JBS, dona de várias marcas conhecidas, como Friboi, Seara, Swift, Maturatta e Cabana Las Lilas. Com essa variedade de produtos e a presença em 22 países de cinco continentes (entre plataformas de produção e escritórios), ela atende mais de 300 mil clientes em 150 nações.


Governo brasileiro incentivou concentração empresarial

Para alguns economistas, tem havido um aumento da presença do Estado na economia brasileira, um movimento que ganhou força no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o BNDES passou a conceder financiamentos a juros mais baixos para promover as chamadas “campeãs nacionais”.

Nesse caso, foi estimulada a fusão entre as operadoras de telefonia Brasil Telecom e a Oi, e a criação da BRF, fruto da união entre Sadia e Perdigão. Esse movimento de empresas brasileiras mais fortes no exterior cria gigantes, mas não necessariamente essa liderança traz vantagens para os consumidores brasileiros, que continuam com poucas opções quando vão ao supermercado. Será que essa ação do Estado beneficiou o consumidor final?

Em paralelo, as empresas estatais têm ganhado peso. No setor bancário, CEF e Banco do Brasil estão entre as cinco maiores instituições do país, sendo que a Caixa é líder em financiamento habitacional, e o BB, no setor agrícola. Em energia, a Petrobras é a maior empresa do setor, enquanto a Eletrobrás detém a liderança em geração de energia elétrica.

Mas essa concentração de poder nas empresas públicas é diferente das privadas. Um exemplo está no setor de energia, em que a Petrobras tem tido uma política de reajuste dos preços dos combustíveis alinhada à política de inflação do governo federal. Empresas estatais bem administradas poderiam render bons lucros, que se tornariam dividendos para o governo federal, que, por sua vez, com esse dinheiro dos lucros, poderia investir em setores essenciais, como saúde e educação.
 

Sim, je suis Charlie. Mas e quanto ao desprezo francês pelo outro e ódio que ele pode fomentar?

Por Salah H. Khaled Jr.

A disputa pelo capital simbólico da tragédia está em curso. A imprensa está rapidamente se apropriando discursivamente do atentado e consolidando uma imagem como elemento interpretativo do caso: a agressão à liberdade de expressão e, em particular, ao jornalismo. O estandarte está levantado e a campanha está em curso, como se está fosse a grande “lição” a ser extraída do caso: não admitiremos que a liberdade de expressão seja colocada em questão.

Tenho minhas dúvidas. Uma explicação monocausal para um acontecimento tão complexo definitivamente não me satisfaz. A questão não parece se restringir a isso. Ainda que seja cedo demais para estabelecer qualquer conclusão que diga respeito aos motivos por trás do injustificável ataque, é preciso ao menos esboçar os parâmetros necessários para uma análise minimamente responsável.

O fato do atentado ter ocorrido na França e aparentemente ter sido executado por agressores franceses certamente é de alguma relevância para a compreensão do fenômeno. E quando digo isso não escrevo com qualquer intenção de instrumentalização do massacre: não são poucas as manifestações que causam arrepios, indicando que se algo não for feito para “proteger jornalistas” no mundo inteiro a morte das vítimas terá sido em vão. Como se pudesse existir qualquer iniciativa de prevenção e/ou retaliação apta a de algum modo justificar a perda de vidas como um preço aceitável a pagar. É preciso pensar um pouco antes de escrever.

Lentamente começam a surgir interpretações qualificadas do massacre (veja aqui, por exemplo). Não tenho a intenção de revelar a “verdade” sobre o atentado, o que certamente está para além das minhas modestas forças. Também não irei fazer uma análise detalhada do caso ou do histórico dos suspeitos. Quero apenas compartilhar alguns subsídios que me chamam atenção e que podem se mostrar de alguma valia para quem procura uma leitura menos superficial da questão.

Apesar das poucas informações disponíveis, me surpreende que atentados dessa ordem não ocorram com maior frequência na França. E isso não tem relação alguma com a Charlie Hebdo em particular, mas com a própria identidade nacional francesa e com o momento que atravessa a própria França.

Paris é hoje uma cidade visivelmente decadente. A sujeira toma conta das ruas. Mendigos dormem nas calçadas e em alguns locais o cheiro de urina é extremamente forte, como, por exemplo, nos arredores do Centre Pompidou. A cidade está repleta de imigrantes africanos que vendem lembranças para turistas de forma ilegal e são implacavelmente perseguidos pelos policiais quando avistados. Os metrôs estão tomados por vendedores ambulantes e artistas que invadem os vagões e apresentam suas performances na esperança de receber alguns trocados dos passageiros.

Os tempos são difíceis para os franceses: taxas de desemprego batem recordes e o país aparentemente está na contramão de seus principais parceiros europeus. Tudo isso gera enorme inquietação social: milhares de carros foram queimados em protestos na última década. Não é preciso entrar em detalhes. Essas informações estão facilmente disponíveis na internet.

Diante desse contexto, turistas são muitas vezes tratados de forma abertamente hostil: a expressão “turista de merda” é muito popular, particularmente quando há recusa em cair em golpes, como a venda de bilhetes usados de metrô e outros muito mais sofisticados. Os pickpockets afloram, assim como os golpistas de todas as ordens. São comuns os esquemas das mais variadas ordens para iludir estrangeiros, sendo necessário consultar a internet para se assegurar de não cair em um golpe quando visitar Paris. Evidentemente são combatidos pelas autoridades, mas em tempos de crise, os golpistas se multiplicam para além de qualquer possibilidade de controle.

Mas eles não são os únicos problemas: experimente pedir informações em inglês e descubra rapidamente como franceses de todos os estratos sociais podem perder a pose e tratá-lo como um visitante indesejado, apesar da economia francesa precisar desesperadamente do turismo para sobreviver. Por outro lado, arranhe um francês rudimentar e patético e eles provavelmente lhe estenderão a mão com toda simpatia do mundo. A relação com o outro é muito, muito problemática para um país com questões de auto estima por resolver e uma grande crise econômica a superar.

Diante desse contexto, não é por acaso que mais do que nunca os franceses aprofundem sua relação de afetividade com o passado. Qualquer brasileiro se espanta com o espaço que as obras de história ocupam nas livrarias da França, principalmente em comparação com a relativa escassez da literatura jurídica, salvo em livrarias especializadas.

Mas não é uma história geral como a que é estudada no Brasil, por exemplo. Para os franceses, história é essencialmente história da França. São literalmente milhares de obras que retratam um passado glorioso que é devorado por um presente que tem pouco a comemorar. O século XX tem pouco destaque: a humilhação das duas grandes guerras mundiais e o colaboracionismo francês com o Nazismo (muito mais profundo do que os franceses gostariam de admitir) conformam profundas chagas na identidade nacional francesa. Uma identidade que interessa investigar, por sinal.

Diferentemente da tradição alemã, que constrói a identidade desde a perspectiva de um volk (povo) originário e primordial que desfruta de uma história e língua comuns (fundamentalmente com Herder e o Romantismo Alemão, que posteriormente resultou no argumento da superioridade da raça ariana), o critério de nacionalidade francês sempre foi baseado na vontade: na adesão subjetiva ao corpo da nação. Por um lado esse critério parece interessante, já que não impõe limites tão restritivos quanto o critério germânico. Mas para que esse pertencimento seja completo, é preciso abrir mão da diferença e abraçar a normalidade, ou seja, tornar-se efetivamente um francês, o que exige adesão ao padrão imposto como regra.

É aqui que o tão ostentado ideal de igualdade encontra seu ponto de torção, uma vez que a aceitação exige que se abra mão da condição de não igual, ou seja, de diferente. O leitor mais atento certamente percebeu onde quero chegar.

A crise alimenta a xenofobia, que cresce de forma assombrosa. É fácil culpar o outro pelas dificuldades. São eles, os diferentes, os imigrantes (mesmo os oriundos de países que foram colônias francesas) os bodes expiatórios mais convenientes para as dificuldades que os franceses enfrentam. Tudo isso cria um contexto favorável para que o ódio prospere e seja apropriado como capital simbólico pelos próprios políticos, pois é um discurso que rende dividendos.

Os franceses historicamente demonstram enorme dificuldade para lidar com a diferença. Se apegam desesperadamente a um orgulho doentio pelas realizações do passado e simultaneamente acumulam enorme mágoa pela perda de relevância no presente.

Na França o diferente é no máximo tolerado (como estorvo) e raramente respeitado como outro. Basta pensar na injustificável proibição da burca em lugares públicos, expressão máxima de uma tentativa de imposição de homogeneidade para um corpo social que é extremamente heterogêneo. A França tem a maior população islâmica da Europa Ocidental, com cerca de cinco milhões de muçulmanos, muitos deles franceses nativos, que se sentem injustificadamente oprimidos, pois estão fora do padrão normalizado francês. Não é difícil que o sentimento de opressão experimentado por essa população seja canalizado por extremistas radicais e eventualmente dê causa à violência, por mais mal direcionada que ela possa aparentar. A incompreensão facilmente se degenera em ódio mútuo.

É evidente que não se está aqui de modo algum justificando este ou qualquer outro atentado, muito menos dando vazão para que atos de inaceitável violência possam ser tidos como legítima resistência. Mas a normalização forçada de Paris assusta, principalmente se contrastada com o autêntico melting pot que é Londres, uma capital europeia em que a diferença desfila pelas ruas de forma majestosa.

Os franceses devem enfrentar essas questões, sob pena do pior cenário possível se materializar: que o atentado atinja o espírito da Charlie Hebdo de forma tão impactante como atingiu as vidas de seus colaboradores, dando margem para que a xenofobia cresça e o discurso de extrema direita ganhe ainda mais impulso, em um espiral ascendente de ódio com resultados imprevisíveis. É preciso atentar para o fato de que o mundo islâmico reprovou de forma veemente o massacre e que as ações isoladas de alguns indivíduos não podem ser tidas como representativas de um setor tão significativo da própria sociedade francesa. A história mostra que os discursos de ódio ao outro em nome da defesa do mesmo podem facilmente se prestar aos piores massacres. Que não seja esse o resultado último dessa tragédia, cujas consequências podem atingir muito mais pessoas do que os agressores e as vítimas originais.

Lutar contra essa interpretação desastrosa talvez seja a forma mais digna de honrar o trabalho de quem tanto combateu os radicalismos de todas as ordens. É o que resta. Je suis Charlie!

Salah H. Khaled Jr. é Doutor e Mestre em Ciências Criminais (PUCRS) e Mestre em História (UFRGS). É Professor da Faculdade de Direito e do Mestrado em Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande – FURG. Autor de A Busca da Verdade no Processo Penal: Para Além da Ambição Inquisitorial, editora Atlas, 2013 e Ordem e Progresso: a Invenção do Brasil e a Gênese do Autoritarismo Nosso de Cada Dia, editora Lumen Juris, 2014. É Conselheiro Editorial do Justificando.

Civilização do lixo, devastadora e desigual

Impulsionado pelo consumismo, descarte urbano cresce três vezes mais que habitantes do planeta. Mas 80% dos resíduos são produzidos por 20% da população mundial…
Por Najar Tubino, na Carta Maior 

Esta é uma montanha que não para de crescer. Nos cálculos da ONU e do Banco Mundial nas últimas três décadas a geração de resíduos sólidos urbanos cresceu três vezes mais rápido do que a população. Os sete bilhões de habitantes produziram 1,4 bilhão de toneladas de lixo e em 10 anos o montante chegará a 2,2 bilhões de toneladas. Lógico que metade desse lixo é gerada pelos países da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento, a OCDE, clube dos 34 ricos do planeta. Entre eles, os países da União Europeia, além de Coreia do Sul, Japão, Austrália e Reino Unido. Os Estados Unidos lideram a estatística, com 5% da população mundial consomem 40% dos produtos, com um detalhe importante: em 2010 a Agência Ambiental (EPA) divulgou que os estadunidenses jogavam 34 milhões de toneladas de sobras de comida todo ano. O Brasil já é considerado o quinto país na lista dos campeões do lixo com 78 milhões de toneladas para 2014. 
 
O pesquisador Maurício Waldmam, pós-doutor pela Unicamp e autor do livro Lixo: cenários e desafios criou uma versão da mitologia grega para traduzir a gravidade da situação. Trata-se do mito da Esfinge, um demônio com corpo de leão, cabeça de mulher e asas de água, que apavorava os habitantes de Tebas. Para ir embora propôs um enigma, decifrado por Édipo, tragédia de Sófocles – “decifra-me ou devoro-te”.

Decifra-me ou te devoro

Eis o que o que a montanha de lixo planetária está nos propondo. Maurício Waldman comenta: “No Brasil, como em qualquer parte do mundo, o que a Era do Lixo está expondo de modo radical é a impossibilidade de mantermos o modus vivendi e modus operandi, que lastreou o surgimento e a difusão da civilização ocidental… o lixo assumiu o contorno de uma calamidade civilizatória. Em termos mundiais, apenas a massa de lixo municipal coletado, estimada em 1,2 bilhão de toneladas, supera a produção global de aço – 1 bilhão. As cidades ejetam dois bilhões de toneladas de refugo, superando em 20% a produção de cereais. Os números falam por si”.

No dia 2 de agosto terminou o prazo para os municípios brasileiros se adequarem a lei federal 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, depois de tramitar durante 20 anos no Congresso Nacional. Dois dias depois, a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) lançou a publicação “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2013”, uma pesquisa realizada em 404 municípios envolvendo quase metade da população. No ano passado foram coletados 76 milhões de toneladas com um aumento de 4,1%, comparado ao ano anterior. Apenas 58,3% dos resíduos têm destinação final adequada. Ou seja, o restante 41,7% são depositados em lixões e aterros controlados, que são quase lixões. Dos mais de cinco mil municípios do país, 3.344 ainda fazem uso de locais impróprios para destinação final de resíduos. E 1.569 municípios utilizam lixões a céu aberto, que é a pior forma de descarte. Enfim, mais da metade dos municípios brasileiros não se adequou à nova legislação, embora desde a década de 1980 seja proibido jogar lixo em qualquer lugar.
 
Nova York gera 24,8 mil toneladas de lixo

Em outubro desse ano, na Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi de vassoura em punho lançou a campanha Índia Limpa, e convocou quatro milhões de funcionários públicos federais para se engajarem. “Depois de tantos anos de independência não podemos continuar convivendo com esta imundície”, disse ele, acrescentando que o governo investirá R$24 bilhões em cinco anos para varrer a sujeira. No caso indiano a situação é particularmente grave, porque metade dos 1,2 bilhão de habitantes não tem acesso a banheiros e fazem suas necessidades fisiológicas em qualquer canto. Porém, mesmo entre os ricos o problema continua grave. Os japoneses geraram quase 500 milhões de toneladas de resíduos urbanos e seus aterros sanitários tem vida útil de oito anos. Aqueles que recebem o lixo de Tóquio tem vida útil de quatro anos, conforme a publicação Lixo Zero, do Instituto Ethos, coordenada pelo economista Ricardo Abramovay.

Nova Iorque, onde são geradas 24,8 mil toneladas por dia – em São Paulo são pouco mais de 18 mil toneladas – os resíduos são enterrados em aterros de Nova Jersey, Pensilvânia e até na Virgínia, alguns distantes 500 quilômetros. A capital dos turismo da classe média brasileira recicla apenas 18% do que produz. Aliás, os Estados Unidos reciclam apenas um terço das garrafas pet, índice que é de 72% no Japão. Os estadunidenses produzem 624 mil toneladas de lixo diariamente. E mais: 80% do lixo eletrônico são exportado para a China. Até recentemente os países da OCDE exportavam 200 milhões de toneladas de lixo para outros países. É interessante o estilo de vida dos EUA, onde todos os anos são repostos 600 milhões de quilos de carpetes.

Brasil é o quinto mercado mundial

No Brasil, uma pesquisa recente do Banco Mundial apontou que se 42% dos resíduos sólidos jogados em lixões a céu aberto fossem para aterros sanitários – onde o chorume e o metano são coletados – o aproveitamento do biogás e a compostagem abririam 110 mil novos empregos nos próximos 18 anos e acrescentariam US$35 bilhões na economia. Também supririam 1% da demanda de energia elétrica. Na União Europeia o cálculo apontou que se todo o lixo fosse tratado acrescentaria 42 bilhões de euros no setor de coleta e reciclagem e mais 400 mil empregos. A Alemanha é o país líder na reciclagem com aproveitamento de 48% dos materiais utilizados. O mercado global do lixo da coleta até a reciclagem movimenta US$410 bilhões. Mas a ONU ressalta que os orçamentos dos municípios estão destinados até 30% da sua verba para o lixo. No caso da capital paulista em 2013 foi R$1,8 bilhão, 20% mais do que o ano anterior.

O Brasil até 2020, ou seja, daqui a seis anos, será o quinto maior mercado consumidor do mundo. Já somos o maior consumidor de cosméticos, o segundo em cervejas, o terceiro em computadores, o quarto em carros e motos e o quinto em calçados e roupas. O problema cresce, porque a questão é: o que fazer com a montanha de lixo? A Confederação Nacional dos Municípios diz que são necessários investimentos de R$70 bilhões para atender a demanda dos municípios que jogam os resíduos no lixão.

Cheiro de ovo podre

Porém, isso não explica o óbvio: 80% do consumo privado no mundo é realizado por 20% da população. Quer dizer, 5,6 bilhões de pessoas rateiam o que resta da miséria, mesmo que isso signifique ter um smartphone, televisão fininha e um valão na porta de casa, onde corre o esgoto a céu aberto, com todas as embalagens e utensílios domésticos imaginados. Nos países da OCDE a média de carros por cada mil habitantes é de 750, na China é 150 e na Índia 35. A mesma organização diz que a cada 1% de crescimento nos países emergentes, o lixo acumulado cresce 0,69%. Como os emergentes continuarão crescendo, deduz-se que a montanha idem.

Em meio a isso tudo, a época natalina comercial cristã, com o mercado de luxo bombando no Brasil – em São Paulo ricos de todo o país gastaram R$10 bilhões em 2012 -, comecei a elaborar a seguinte questão: existe um problema maior do que as emissões de gás carbônico, metano e óxido nitroso – os gases estufa – na atmosfera. Trata-se do gás sulfídrico H2S, sulfeto de hidrogênio, conhecido popularmente pelo cheiro de ovo podre, ou pelo cheiro de qualquer rio podre – caso do Tietê, em SP -, ou córrego carregado de esgoto, locais onde o gás se expande. Este cheiro da podridão, de coisa decomposta, degradada, em meio à globalização e a concentração de renda no planeta, é que está definindo os rumos da civilização do lixo. A tecnologia venceu a natureza, pensaram os mecanicistas desde a Revolução Industrial, agora reforçados pelos agentes do sistema financeiro. O que não estava nos planos do capitalismo esclerosado é que a expansão acabaria devorando o mercado com clientes, industriais, comerciantes e demais componentes econômicos afogados em uma gigantesca montanha de lixo. O enigma grego foi decifrado e só falta puxar a descarga.