quarta-feira, 23 de abril de 2014

Mapa mostra impactos sociais e luta de moradores na zona portuária do Rio de Janeiro

por Lívia Duarte, jornalista da FASE

Um mapa é uma representação de um lugar. Estamos tão acostumados com certos tipos de mapas que mal nos damos conta de que eles podem ser diferentes, e são também instrumentos de poder. Nesta entrevista, a socióloga Rachel Barros, da ONG FASE, fala da revista Cartografia Social Urbana: transformações e resistências na região portuária do Rio de Janeiro, lançada esta semana, que traz um mapa pensado coletivamente. A intenção é representar Zona Portuária, Caju e Maré de nova maneira, e a partir de quem mais entende da região: os moradores e trabalhadores.
Lívia Duarte – Porque mapas e essa região?

Rachel Barros – Nessa região tem havido uma série de conflitos relacionados às questões urbanas que não estão na cena pública como gostaríamos. A Cartografia Social quer dar visibilidade aos territórios a partir dos moradores. Revela a vida deles, o que não aparece nos mapas oficiais: é quem vive na Providência, os profissionais do sexo, os camelôs da Central; assim como dos moradores da Maré, que sofrem com a política para recolhimento dos usuários de crack; ou do Caju, onde questionam a retirada dos equipamentos públicos, como o fechamento da escola Estadual Tiradentes, onde já faltava escola.

Concluímos com eles que a Região Portuária vai além de seus limites institucionais. Caju e Maré são atingidas de modos parecidos pelas mudanças na cidade e tem uma identidade histórica relativa ao porto. Ampliamos o olhar para ver, por exemplo, que como reflexo do Porto Maravilha e da instalação de empresas, mais de 7 mil trabalhadores passaram a circular no Caju, impactando a rotina do bairro.

LD – Muita gente que não mora na região passou a ser impactado com as mudanças no trânsito. Mas o que o mapa mostra e quem passa não vê?

RB – São impactantes os relatos sobre o tratamento dos trabalhadores do entorno da Central. Retirados sem nenhuma perspectiva de realocação, falam de incêndios criminosos. O poder público promove uma “limpeza”: quem trabalha na rua, como os profissionais do sexo, não conta. A execução das obras é constantemente desrespeitosa, desde a pichação para marcar casas na Providência até a total falta de diálogo. Por lá, a praça Américo Brum, único espaço de lazer, foi destruída para instalação de um teleférico que até hoje não funciona. A destruição de espaços desconhece a trajetória de vida dos moradores, suas histórias.

LD – A Zona Portuária tem muitas promessas de projetos culturais. 

RB – Há uma série de novos editais para cultura, mas eles não consideram os grupos que já existiam, apesar de estarmos falando do berço da cidade, com histórica influência da cultura afrobrasileira. Mesmo a descoberta de sítios arqueológicos precisou de luta para ter alguma valorização. Resistem projetos como o Instituto Pretos Novos, mas são menos valorizados se comparados a novos equipamentos. Então, vemos uma profunda reestruturação até mesmo do imaginário e da cultura desse povo, desse lugar.

LD – Recentemente tivemos notícia da redução do número de remoções. O que isso significa?

RB - No processo de resistência foram criados o Fórum Comunitário do Porto e comissões de moradores, que reúnem também técnicos, universidades e ONGs. Tem sido importante a relação com os defensores públicos, o diálogo com a prefeitura é difícil. As justificativas das obras se relacionam ao trânsito e às Olimpíadas, mas tem a ver com certa ideia de desenvolvimento. Foi criado um processo de especulação e consequente retirada das pessoas de baixa renda, majoritariamente negras. Ao que parece, o número de remoções depende da intenção da prefeitura. Sem questionamento de dados oficiais há mais violação de direitos: foi a resistência dos moradores que impediu que 70% das casas da Providência fossem removidas! Em setembro, a prefeitura estabeleceu um novo canal de diálogo. Mas os técnicos que assessoram os moradores seguem questionando laudos. É nesse amplo processo de resistência que surge a cartografia, que pode servir como instrumento para reivindicação de direitos.

*Publicada originalmente no jornal Brasil de Fato RJ, 20 a 25 de março, edição 43. Acesse aqui o jornal completo!

*Acesse a revista Cartografia Social Urbana: transformações e resistências na região portuária do Rio de Janeiro:


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