segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Território: Tupinambás resistem no Sul da Bahia

Comissão Organizadora do Seminário de História Indígena Caboclo Marcelino

Relato do Ato de Apoio Realizado no Dia 11/02/12

No dia 11/02/2012 (sábado) realizamos o Ato de Apoio aos Tupinambás no Acuípe-Ilhéus-Bahia. Lembrando: aquela Comunidade Indígena foi expulsa com violência e preconceito de suas terras tradicionais (01/02/2012) pelo estado, justiça e policia federal. Segundo os relatos, os policiais foram agressivos com crianças, anciões, mulheres e homens. De acordo com as narrativas, os que efetuaram a ação humilharam um dos pajés da comunidade Tupinambá, deixando o mesmo de joelhos na lama e com as mãos na cabeça por cerca de quase duas horas. Os invasores satirizaram o Porancy - ritual sagrado – que foi reali zado pela comunidade durante a invasão.

Esta invasão (alguns chamam de "reintegração de posse") quebrou um acordo que não haveria ações como esta em terras indígenas retomadas de longa data (com no mínimo dois anos de ocupação), até o julgamento do relatório da FUNAI que demarcou as terras Tupinambá. Aliás, o relatório é de 2009 e até agora a justiça federal não julgo o mesmo, aumentando o clima de tensão em Olivença e região. Parece que não existe interesse político e social daqueles que detém o poder no estado da Bahia e no governo federal. Isso significa que todo o povo Tupinambá, além de sofrer com o processo de criminalização, preconceito e violência polici al, agora também fica com medo do estado e da justiça porque, a qualquer momento, novas reintegrações podem ocorrer.

Durante o Ato de Apoio aos Tupinambás que realizamos no dia 11/02/2012, antes de levarmos os alimentos recolhidos à Comunidade Indígena que encontra-se “acampada” no entorno e no núcleo escolar localizado no Acuípe (Escola Estadual Indígena Tupinambá-EEITO), o Cacique Val circulou com os presentes nos lugares onde a policia federal efetuou a invasão. Ouvimos relatos da ação e observamos o resultado da ação policial, conforme iremos apresentar na sequência.

O quadro que observamos lembra muito a política de terra arrasada adotada pelas tropas nazistas na II Guerra Mundial e pelo exercito (também fascista) norte-americano nos territórios invadidos no Afeganistão, Iraque e em outras nações. A ação adotada no Acuípe foi de expulsão com violência, preconceito em relação aos índios. Em seguida a policia federal ordenou e destruição das moradias, criações e plantações. Os tratores a mando dos policiais destruíram casas não deixando tempo, por vezes, para as pessoas tirarem todos seus pertences ou parte do material utilizado para a construção.

O Cacique Val nos mostrou uma serie de moradias destruídas, uma fábrica de farinha de mandioca arrasada, roçados danificados e/ou em estado de abandono por não ser possível mais cuidar do plantio. No lugar onde ficava a fábrica de farinha até o galinheiro foi destruído e encontramos o esqueleto de um cachorro de caça da comunidade indígena morto durante a ação realizada.

A ação foi clara: destruir tudo para que os Tupinambá não voltassem. Atualmente parte daquela Comunidade reelabora suas vidas, resistindo cotidianamente no e entorno do núcleo escolar do Acuípe da EEITO (Escola Estadual Indígena Tupinambá). Lá o quadro é: pouco espaço para muita gente - o lugar não é adequado para moradia; alguns índios estão sob as lonas; e, além disso, logo iniciam as aulas, sendo necessária a saída daqueles que foram expulsos de suas terras.

Sabemos que muitos não gostam de utilizar adjetivos nos textos para manter a frieza de suas narrativas, mas, neste caso e em vários outros, não tem como não dizer: maldade pura do estado brasileiro (governo federal e estadual da Bahia), da (in)justiça e policia federal. Por isto novamente escrevemos: não importa só o partido que está no poder (seja ele na Bahia, em São Paulo, em Brasília), pois as ações autoritárias se repetem por este país a fora.

Entretanto, pensamos aquela maldade não foi casual. A crueldade estatal adotada é ideológica e histórica porque sempre se direciona: aos índios, negros, mestiços, pobres rurais/urbanos. Uma maldade que procura criminalizar, humilhar, amedrontar, destruir e arrasar.

Porém, durante o Ato de Apoio que realizamos no dia 11/02/2012 sentimos que a COMUNIDADE TUPINAMBÁ NO ACUÍPE NÃO FOI DERROTADA. AQUELA COMUNIDADE RESISTE E REELABORA A VIDA PARA QUE A LUTA PELAS TERRAS TRADICIONAIS CONTINUE. Você observa isto nas caras dos Anciões, Curumins, Cunhatãs, Guerreiras e Guerreiros Tupinambá daquela área e por toda Olivença.

Um Porancy será realizado. A Comunidade Indígena irá dançar pisando forte no chão e cantando bem alto para que os encantados e espíritos ofereçam força. Esta pisada e cantoria durante o Porancy também irá ecoar em alto som nos ouvidos dos que estão no poder não os deixando dormir para todo o sempre. Os Tupinambá cantaram:

“OH ... DEVOLVAM NOSSAS TERRAS
NOSSAS TERRAS NOS PERTENCEM
DEVOLVAM NOSSAS TERRAS
NOSSAS TERRAS NOS PERTENCEM
NELAS TORTURAM, MATARAM E ENTERRARAM
NOSSOS PARENTES
NELAS TORTURAM, MATARAM E ENTERRARAM
NOSSOS PARENTES
OH ... DEVOLVAM NOSSAS TERRAS
NOSSAS TERRAS NOS PERTENCEM
DEVOLVAM NOSSAS TERRAS
NOSSAS TERRAS NOS PERTENCEM”
(Canção Guerreira Tupinambá)

AWERE!

Por fim, vale realçar que estas ações que narramos aqui tem mais de 500 anos no tradicional território indígena. Importa ainda destacar e nunca esquecer que este mesmo território indígena possuía a extensão do que hoje chamamos de Brasil.

Como é de costume: lembramos da seguinte canção:

“Sou Pataxó,

sou Xavante e Cariri,

Ianonami, sou Tupi

Guarani, sou Carajá.

Sou Pankararu,

Carijó, Tupinajé,

Potiguar, sou Caeté,

Ful-ni-o, Tupinambá.

Depois que os mares dividiram os continentes

quis ver terras diferentes.

Eu pensei: "vou procurar

um mundo novo,

lá depois do horizonte,

levo a rede balançante

pra no sol me espreguiçar".

eu atraquei

num porto muito seguro,

céu azul, paz e ar puro...

botei as pernas pro ar.

Logo sonhei

que estava no paraíso,

onde nem era preciso

dormir para se sonhar.

Mas de repente

me acordei com a surpresa:

uma esquadra portuguesa

veio na praia atracar.

De grande-nau,

um branco de barba escura,

vestindo uma armadura

me apontou pra me pegar.

E assustado

dei um pulo da rede,

pressenti a fome, a sede,

eu pensei: "vão me acabar".

me levantei de borduna já na mão.

Ai, senti no coração,

o Brasil vai começar.”



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